Surfar em vez de nadar
Por Ken O’Donnell.
Tudo hoje é um convite para reinventar a maneira com que fazemos negócios para o bem do sistema que nos sustenta. Não é que temos que nos ajustar apenas à chamada “nova economia”. O caos político e social exige respostas e valores diferenciados também. Nossa formação poderia ter nos ajudado a nadar numa espécie de piscina profissional. Agora o ambiente é um mar bravo. Requer outros valores.
Empresas com líderes que realmente praticam valores e com gente mais consciente da sua responsabilidade pessoal e coletiva para criar novos rumos mais sustentáveis têm de ser um dos nossos maiores imperativos neste mundo incerto e ambíguo do começo do milênio.
Nasce o paradigma holístico ou sistêmico, que tem uma mensagem especial para todos nós: “Assuma sua responsabilidade especifica em melhorar o mundo”. Esta visão nos diz que qualquer processo — seja ele uma família, organização, ou mesmo uma civilização — afeta seus participantes e vice-versa.
A melhoria organizacional depende de uma integração de vários fatores — organização, equipamentos, processos e pessoas — o que resulta na sua cara ou imagem. Entretanto, com o fator sustentabilidade acrescentado, a melhoria tem que ser mais abrangente. Não se restringe apenas aos produtos, serviços, processos administrativos e tecnológicos. Tem que haver uma consideração, por um lado, sobre a contribuição social e ambiental que a empresa oferece e, igualmente, sobre a qualidade de vida dos seus funcionários. Qualquer programa de melhorias, auspiciado por padrões mecanicistas, pode cometer grandes enganos.
Há certas “ferramentas pessoais” que podem contribuir para driblar o caos. Precisamos ser mais como surfistas e não como nadadores de piscina. As capacidades de força e de controle rígido podem nos ajudar num ambiente passivo como uma piscina. Assim foi o mundo até o fim dos anos 1980. Entretanto, no mar bravo das circunstâncias de hoje, precisamos da paciência, agilidade e rapidez de pegar a melhor “onda” das situações do trabalho ou do mercado, além do equilíbrio e do posicionamento correto para manternos na “prancha”. Hoje sabemos, pela quase total imprevisibilidade e interdependência do mercado global, que cada onda tem uma duração curta e sempre há outras ondas.
Tudo isso implica, em primeiro lugar, um trabalho profundo de flexibilização pessoal, de saber que mais vale mudar atitudes do que mudar pessoas ou estruturas. Alguma prática de autoconhecimento e de reflexão é altamente recomendável para desenvolver as atitudes de “surfista”.
Em segundo lugar, pela teoria de caos, entendemos que a desordem é sintoma de fraqueza sistêmica. Não adianta tentar recuperar um sistema humano, quer seja a vida individual, o sucesso de uma equipe ou o futuro de uma organização, sem injetar energia de alguma forma no quadro. Estudos mostram que não há motivador mais forte do que uma autoestima elevada. Isso garante o entusiasmo, apesar dos desafios do caos. Alguma prática que ressalta a autoestima e o poder interno do indivíduo ajuda muito a energizar os sistemas humanos.
Em terceiro lugar, os valores que respaldam a cooperação natural e a inovação entre as pessoas têm que ser aceitos e praticados em todos os níveis de uma organização. Uma definição muito bem aceita de estresse é justamente a condição que resulta da capacidade de lidar com o meio em que nos encontramos. Todos temos capacidades diferentes para fazer isto. De qualquer forma, é necessário saber como administrar o que está acontecendo internamente, especialmente em relação à resposta que vem dos sentimentos às circunstâncias externas. Administrar projetos, organizações, lar e relacionamentos só pode acontecer quando aprendemos a administrar o eu interior e as respostas que vêm de dentro para fora. A pessoa que consegue se autoadministrar possui, em primeiro lugar, a clareza de ver o que está acontecendo e não ser enganada pelas aparências. É calma e não se abala facilmente. Quanto mais compreende o problema, menos poder o problema tende a abalar. Quanto mais a pessoa aumenta sua própria força interior, menos complicado é o problema.
Elaborar uma lista de qualidades que indivíduos precisam para trabalhar em conjunto é fácil — respeito, tolerância, humildade, cooperação, flexibilidade, criatividade, percepção, sensibilidade, sinceridade. No papel parecem maravilhosa Colocá-las na prática, porém, requer um entendimento mais profundo, além de um esforço pessoal assíduo.
Assim como a organização possui seu quadro de recursos humanos, o indivíduo tem seus próprios recursos — essas qualidades mencionadas acima que formam parte da nossa herança inata. É preciso criar e manter acesso a elas.
O quarto aspecto é entender a visão sistêmica. Em qualquer processo, seja de uma família, de uma organização, ou mesmo de uma civilização inteira, tudo o que o indivíduo pensa, fala e faz, tem um efeito, por mínimo que seja, no todo que o cerca, e assim o obriga a ter uma atitude responsável e conseqüente.
Por não entender essa regra básica, tantos programas de reestruturação organizacional não levam em consideração o papel fundamental que tem o indivíduo, desde o operário no chão da fábrica até o presidente. Eles todos têm algo positivo para contribuir em todos os três níveis — pensamentos, palavras e ações. A própria palavra “qualidade” não casa bem com a visão mecanicista e racionalista que sempre prezaram mais a “quantidade”.
Um desenvolvimento mais consciente da importância desses quatro pontos ajuda a reduzir consideravelmente os níveis de estresse numa organização. A vida com todos seus desafios exige uma condição extremamente ágil para acompanhála. As situações, relacionamentos, papéis a exercer e as rotinas, nos cercam de tal maneira que parece que não há tempo para mais nada exceto a correria. Mesmo assim, tudo isso pode ser encarado como uma prisão de sofrimento ou como um ofício agradável. Depende da ótica que adotamos.
Autor do artigo: Ken O’Donnell
Ken O’Donnell é autor de diversos livros traduzidos em mais de dez línguas, consultor, coordenador para América do Sul da Organização Brahma Kumaris e ex-presidente do conselho do Instituto Vivendo Valores
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