O Senhor da geleira - Cap.14 'Ouvindo as Estrelas'

O Senhor da geleira - Cap.14 'Ouvindo as Estrelas'

A Mágica do Silêncio’, ‘Como vemos o tempo’ e a ‘Do presente à eternidade‘ são alguns dos temas de ‘O SENHOR DA GELEIRA’, capítulo 14 do livro Ouvindo as Estrelas, hoje publicado aqui no site Intuicao.com – Para sua apreciação. Confira!

Livro Ferhélin, Ouvindo as Estrelas

Para dar uma breve ideia dos temas deste capítulo, veja abaixo sumário com os subcapítulos de ‘O SENHOR DA GELEIRA’‘.

(Para ir a um dos subcapítulos, basta clicar no subcapítulo ou – para leitura co capítulo todo, é só dar sequência nesta página)

senhor da Geleira

…as respostas, as que significam algo,
raramente estão na superfície da mente.

Os dias passavam tranquilos na Montanha Edith Cavell. Um grupo chegou durante a noite, enquanto Ferhélin dormia. 

Eram estudantes de filosofia de uma universidade de Colônia, na Alemanha, e alunos de um amigo pessoal do administrador do alojamento. 

De manhã, Ferhélin tomou café com este senhor. Era um homem nos seus setenta anos, de barbas brancas, um pouco calvo e longos cabelos brancos que chegavam aos ombros.

Ele a convidou para acompanhá-lo, com o grupo que havia chegado. 

— Vieram para visitar a região e escutar a filosofia dos meus pensamentos. 

Foi como ele explicou para Ferhélin, que aceitou o convite.

Levou-os a um local novo para ela, uma montanha alta, rochosa e com grandes pedras. A base, diferentemente das outras montanhas, não tinha árvores ou qualquer tipo de vegetação, apenas terra, pedras e pedregulhos.

Eles caminharam até o alto de uma rocha, de onde era possível ver a face de uma geleira à frente. Entre eles e a geleira, havia, abaixo, um lago congelado, com imensas pedras de gelo espalhadas.

— São pedras de gelo caídas da geleira — explicou o administrador do alojamento, a quem Ferhélin passou a chamar de o Senhor da Geleira.

Após caminhar por cerca de quarenta minutos, eles se sentaram no chão e sob o sol. Ele se sentou um pouco à frente do grupo, formado por cinco garotas e três rapazes.

Lá permaneceram, apreciando o cenário composto pela geleira à frente, o lago congelado abaixo e o despenhadeiro formado pela parede da montanha em que se encontravam.

Ferhélin sentiu que aquele seria mais um encontro especial em sua jornada.

Após alguns minutos, o Senhor da Geleira virou-se e sentou-se de frente para o grupo. 

— Quantos anos você tem? — perguntou, olhando para Ferhélin.

— Vinte e nove — respondeu ela.

— E os demais?

— Vinte e sete, disse outro.

Ele percebeu que variavam de 23 a 36 anos. Cada um foi dizendo sua idade.

Como você vê o tempo?

— Antes de vocês nascerem, eu já estava aqui há muitos anos, vivendo em meio às rochas, árvores, lagos, riachos, geleiras, ursos, alces e águias. As trilhas que hoje vocês percorrem já foram percorridas por muitas pessoas — disse o Senhor da Geleira. 

Acho que nem tantas, foi o pensamento que veio à mente de Ferhélin, relevando o aspecto da localização daquele alojamento tão isolado. 

— Mas o tempo! Ah, o tempo é uma grande ilusão. Os dias vêm como ondas do mar, “emoldurando” nossas vidas a cada amanhecer.  Os ciclos, a repetição das estações, os meses, o amanhecer e o pôr-do-sol vêm e vão. Janeiros passaram e janeiros virão.

O tempo é uma concepção nossa. É uma questão de noção. E como variam estas noções em nossas vidas!

Alguns com tantas especialidades, fazendo-se presentes com tão clara noção em algum campo, mas tão ausentes em outros. Vivemos em uma realidade tridimensional, e o tempo é uma criação nossa.

Ferhélin sentia-se feliz em estar presente naquele momento. 

— Como você vê o tempo? — perguntou o Senhor da Geleira, voltando-se para Ferhélin.

Ela havia se dedicado a pensar sobre o assunto e, rapidamente, vieram lembranças de quando era criança, de quando era jovem e estudante.

Ela já não se apressava em falar, sentia seu ritmo mais natural. Percebia que as respostas, as que significavam algo, raramente estavam na superfície da mente. Procurava sentir a essência do pensamento.

— Bem, de tudo que tenho aprendido em relação ao tempo,penso que o mais importante é não nos perdermos no passado ou no futuro. Não ficar remoendo os erros ou louvando vitórias que fazem parte do passado ou nos perdermos na ânsia do futuro, na insegurança do que virá.

Penso que, superados esses aspectos, devemos evitar o hábito de alimentar a ansiedade, ao tentar acelerar algo que sabemos que será bom, mas que precisa ter seu tempo de amadurecimento, sua velocidade própria e seu momento de acontecer.

Resumindo, acredito que viver o presente é a melhor maneira de aproveitar o tempo — disse Ferhélin, concluindo sua reflexão.

Do Presente à Eternidade

O Senhor da Geleira, com seu jeito sossegado e sereno sorriu, como que gostando do que ouvia.

 Foi quando ele disse:

— Viver o presente é uma grande dádiva. É um avanço grande que diferencia o convencional do genuíno.

Aquele que vive o presente está pronto para manifestar o que tem de melhor. Mas mesmo isso é uma limitação deste mundo tridimensional.

Creio firmemente que os grandes seres iluminados nunca se prenderam aos momentos — eles os transcenderam, assim como às épocas em que viveram.  

Eles manifestaram algo que somente o espírito pode experimentar, a eternidade, e transformaram a experiência do presente em eternidade.

Enquanto o som do vento harmonizava-se com o silêncio que os cercava, as palavras do Senhor da Geleira tocavam Ferhélin, que o observava com grande interesse. 

— Os seres iluminados manifestaram na prática um nível que pode ser praticado por todo ser humano.

Quando deixamos de lado os adereços desnecessários, podemos atingir o presente e, ao elevar-nos , transcendemos o  nível do momento presente. Então, podemos experimentar a eternidade.

Tornar o momento presente é o fruto primeiro de nos experimentarmos como um ser espiritual.

É a nossa ‘presença espiritual‘ que nos possibilita relances de eternidade nos momentos que vivemos. Essa ‘presença‘ faz a diferença de natureza entre um ‘ser‘ e um ‘ator‘.

Isso é possível para qualquer pessoa: essa ‘presença‘ nos possibilita fazer a ponte entre o passado e o futuro, caminhando no presente e manifestado o espiritual que existe simplesmente sob todas as roupagens.

Manifesta o eterno — disse o Senhor da Geleira.

Ferhélin bebia da garrafa que trouxera. Sentia o frescor da água descendo pela sua garganta. Saboreava aquele líquido de uma maneira diferente das outras vezes, procurando sentir a eternidade naquele momento.

PERCEPÇÃO REFINADA

Nuvens surgiam como se estivessem fechando as cortinas do céu e criavam um novo cenário para aquela reunião. Ferhélin observava a liberdade de uma águia que cruzava os ares sobre o lago de gelo. 

O Senhor da Geleira percebeu que uma das garotas do grupo gostaria de falar e convidou-a a se manifestar.

Uma moça alta e magra, de óculos escuros redondos, comentou:

— Cada pessoa é um mundo, que tem sonhos, virtudes e qualidades que podem levá-la, através de todos os obstáculos, de todas as escolhas, até seu sonho.

Nós nos esquecemos de ver estes sonhos, estes tesouros e, pior, a própria pessoa se esquece de ver “tudo” que ela é. Nós as vemos fracionadas e elas também se vêem fragmentadas. Como isto pode ocorrer?

O que nos leva a esquecer a grandeza e beleza que temos e por que ficamos restritos a imagens nascidas de “pedaços” de nós?

Esquecemos de ver o ser que ali está e enxergamos apenas a imagem que projetamos de maneira tão limitada que, na maioria das vezes, nem mesmo tem nada a ver conosco.

De repente, o céu ficou cinza com todas aquelas nuvens.

O Senhor da Geleira escutou com atenção e respondeu: 

— Tudo é uma questão de percepção. Quando restringimos as possibilidades de ser, transformamos a realidade ampla em uma realidade virtual cercada por limites.

Nós nos encaixamos nesta realidade e acabamos nos vendo como atores desempenhando outros papéis. Esquecemos quem somos e nos confundimos com os modelos que enxergamos.

Limitamos nossa visão e abrangência aos limites que colocamos. A percepção é um instrumento muito útil, mas pouco usado. O curioso é que, quando fazemos uso da percepção em sua capacidade máxima, observamos que ela nos dá acessos ilimitados.  

Além dos limites alcançados pela percepção, há muito para ser revelado. Mas para este estágio chegar, a percepção deve ser desenvolvida, então, novos tesouros estarão prontos para serem revelados e para tanto, novos instrumentos serão necessários.

Ferhélin o observava e tentava alcançar o significado das suas palavras. Percebia a distância entre o dia a dia e aquele nível refinado de percepção com que o mestre enxergava o mundo. Então perguntou:

— Como mudar isso? A maioria das pessoas nem mesmo têm ideia do que você está falando?

— Nunca se preocupe com isso. Cada passo é importante em uma jornada, o mais importante é continuar caminhando.

Querer acelerar o processo é uma tendência, mas o melhor meio de fazê-lo é fazendo sua parte e, para isto, o método mais simples é encontrar e manter seu ritmo.

Às vezes, você pode dar umas aceleradas, mas também elas devem fazer parte de seu ritmo. Manifestar a espiritualidade na ação é parte desta caminhada.

PROCESSO DE CRIAÇÃO

— Qual é o melhor método? — perguntou Ferhélin.

— Vocês verão que o processo de criação — com novas ideias e novos modelos — começará a surgir.

A criação é essencial e penso que formular metodologias e planejamentos neste momento poderia destruir processo. As buscas devem primar pelo respeito à criatividade e às novas idéias.

O mundo está viciado na lentidão do pensamento linear. A estruturação do ‘novo‘ não pode estar baseada em uma visão burocrata e hierárquica.

Algo novo deve desabrochar, nascido de uma semente ainda incógnita, mas que está sendo germinada. A sociedade nem mesmo imagina que não necessita da maioria das armaduras que usa, tornando cada passo pesado e lento.

Por que não ensinar a pensar, a criar, a aprender, a imaginar, a entender, a perceber e a intuir?  

Há poucos preparados para isto e, geralmente, não se adaptam aos limites que as instituições impõem.

Simplesmente, porque seus horizontes alcançam amplidões que as convenções atuais não enxergam e acabam ficando marginalizados.

É um paradoxo: as melhores mentes – as mais criativas acabam à margem da vida por causa das convenções e dos padrões estabelecidos.

Pitágoras

Qualquer garoto, que chega ao colégio, ouve falar em Pitágoras, mas o que aprendem sobre ele? Além do conhecido teorema que leva seu nome, aprendem que ele era um importante filósofo? Aprendem algo sobre a sua filosofia?

Ferhélin lembrou-se de seus tempos de escola e de todas as matérias que era obrigada a estudar. Tanto foi desperdiçado, simplesmente por não apresentarem os encadeamentos que muitos dos conhecimentos possibilitavam, pensou ela.

O Senhor da Geleira continuou: 

— Qualquer garoto conhece o famoso teorema que leva seu nome, mas o que é mais importante sobre Pitágoras?

Diria que não é o teorema. Ele sempre buscou criar e inspirar a visão integral do ser, juntando os talentos à redescoberta dos dons, criando a Academia Pitagórica. Quantos ouviram falar sobre ela?

Quantos sabem que Pitágoras via os números e suas relações como energias?

Ferhélin apenas ouvia. Percebia claramente a ruptura entre a parte filosófica do conhecimento e o “conhecimento” ensinado nas escolas.  

O quanto de desestímulo à criatividade e à imaginação decorria desta quebra de relações entre o que era ensinado e o que havia gerado o conhecimento.

— Você verá que a presença da veia criativa se faz presente, quando a espiritualidade é colocada em prática.

A imaginação e a criatividade surgem com a experiência do eterno, através da espiritualidade genuína.  A criatividade floresce, para desabrochar com vitalidade, quando há a combinação entre valores, propósitos elevados, qualidades e talentos desenvolvidos.

Essa combinação propicia a transcendência do presente para o eterno. Quando este propósito for alcançado, a criatividade não será mais ocasional, será permanente, e soluções fascinantes serão possíveis.

CONJUNTO DE MOMENTOS

Ferhélin refletia sobre a essência do que aquele senhor havia falado.

Fazer sua parte, em seu ritmo. Este é o segredo individual para o processo de mudança do mundo, pensava.

Soluções vão surgir apenas de mentes criativas. Isto é o que deveria ser esperado. Ela pensava em seu papel como pesquisadora, orientadora e professora.

Poderia inspirar outros a despertar seus dons e talentos, a criar e imaginar, ao invés de seguir modelos e se moldar a limites das mentes burocratas. Isto abria um mundo de possibilidades, pensou.

O Senhor da Geleira lhes mostrou uma pequena borboleta que voava em seu ritmo, parecia livre. Aquela simples observação inspirou Ferhélin. 

A vida é preenchida de momentos. Depende do que fazemos com eles, dos valores que estão por trás de nossas atitudes e de nossa visão, a cada momento, pensou ela.

Aquela borboleta vivia o seu momento, sem preocupação com o passado ou o futuro. Ela ali estava, ‘sendo‘ apenas a borboleta que era.

Foi quando o Senhor da Geleira falou:

— O tempo é um conjunto de momentos.

Perceber o momento é essencial, ele é um fragmento do tempo.

Cada momento tem seu propósito de existir. Quando nos sintonizamos com aquele propósito é como viver aquele momento da maneira ideal.

Então vivenciaremos o tempo da melhor maneira que podemos. E aproveitaremos um dos maiores tesouros que temos à nossa disposição, que é o tempo de vida que temos aqui neste planeta.

Após alguns instantes de reflexão, ele prosseguiu:

Existe o antes e o depois. O momento é o presente. Quando percebemos o momento corretamente, podemos ter um relance da eternidade.

Isso equivale a abrir portais normalmente inacessíveis. Um destes portais, que não pode ficar relegado, é o que nos dá acesso ao sagrado. Abri-lo é possível, quando participamos da vida com o coração.

A transcendência é possível. Ir além dos limites é sempre uma possibilidade, depende de sua escolha.  

Imaginar um mundo em harmonia, sem violência e sem corrupção dos valores fundamentais parece utopia, neste momento do planeta, com mais da metade de sua população vivendo abaixo do nível de pobreza e muitos passando fome e vivendo em condições sub humanas.

Sinto que este momento é particular, pois faz parte de uma grande transição para este planeta.

O QUE É O SAGRADO?

Afirmo a vocês: este não é um momento comum!

O acesso ao sagrado se faz necessário. O momento é para ter o coração como guia, e não mais ficar dependente apenas da razão.

Ferhélin parecia sentir a responsabilidade do que o Senhor da Geleira falava. À sua mente vinham imagens da agressividade e violência no mundo.

Um dos rapazes do grupo, de cabelos pretos, curtos, pele clara, aparentando vinte e poucos anos, comentou:

— Não entendo como tanta agressividade e violência podem acontecer no mundo com o atual desenvolvimento científico etecnológico e com tantas religiões presentes no planeta. Há tantos caminhos, e ainda assim, o caos é crescente, o que fazer?

— Se houver desrespeito em qualquer nível, a cadeia da espiritualidade é quebrada. Não há espiritualidade no conflito, na violência ou na agressividade. Onde há ego, não há espiritualidade.

O sagrado transcende à ciência, à tecnologia e às religiões. O sagrado contém a propriedade da tolerância, o atributo da aceitação e flui com a energia do amor — disse o Senhor da Geleira.

Ferhélin o observava. Aquele homem de cabelo e barba branca, com sua vestimenta ocidental parecia uma pessoa comum aos olhos de quem o visse apenas por fora.

Ela não se surpreendia com o que ele falava, ‘era um evento síncrono, uma possibilidade que havia se manifestado em sua vida’, pensava ela. Foi quando alguém perguntou:

— Mas o que é o sagrado?

— Percebo o sagrado como a manifestação integrada das várias dimensões presentes. A integração harmoniosa do divino, do espiritual, do mental, do emocional e do físico simultaneamente.

O sagrado é a combinação e a expressão do momento em sua inteireza. Sagrado é Deus e seus ajudantes incógnitos. Sagrada é a vida e a natureza. Sagrado é o momento. A essência e a revelação do sagrado reside na mais básica de todas as funções: ‘Ser‘.

Ferhélin procurava sentir o que ele falava, e perceber a integração que existia entre tudo que a cercava: o ar, a natureza, a presença do Senhor da Geleira e das outras pessoas, as palavras que ouvia, a paz interior iluminando seu ser e a energia do amor envolvendo todos e tudo à sua volta.

Sentia-se iluminada e via luz em tudo. Percebia as palavras como sons vindo de uma flauta mágica, via a geleira preenchida e rodeada por luz, sentia o ar brilhando, o céu com uma imensidão nunca antes percebida. A percepção de uma energia luminosa presente, sentia ela.   

— Quando há integração harmoniosa entre todas as dimensões energéticas que podemos acessar, experimentamos o sagrado.

É como visitar um jardim onde as energias, presentes em nossas vidas, interagem em harmonia e criam o sagrado. Como estão se sentindo? — perguntou o Senhor da Geleira. 

Eles permaneceram quietos, cada um em seu próprio mundo interior. 

Ela nada disse, apenas sorriu para ele como se dissesse: Está sendo especial.

Lembrou-se dos versos de Milton Nascimento: “Tudo que move é sagrado”. E ela pensava, tudo se move, mesmo o que é sólido, moléculas, átomos, energia em movimento. Tudo é dinâmico. Via as rochas, os grandes blocos de gelo no lago, as montanhas e sentia em seu coração: ‘tudo é sagrado’. 

Permaneceram longo tempo em silêncio, percebendo a natureza, refletindo, meditando ou simplesmente observando a geleira e o lago abaixo com seu azul, prateado pelo gelo. 

Então, o Senhor da Geleira convidou-os para caminhar um pouco. 

Seguiram através de uma trilha que os levou montanha adentro.

Após caminharem e observarem alguns locais, retornaram ao alojamento. 

Ao chegar ao alojamento, o grupo se adiantou, e Ferhélin, que caminhava ao lado do Senhor da Geleira, perguntou:

— Onde você mora?

Apontando para uma pequena construção de madeira, ele disse:

— Naquela cabana mais distante, a uns quinze metros. 

Havia um riacho que passava pela frente, uma pequena ponte em curva, para passagem de pessoas que dava acesso à sua casa. 

Despediram-se com o mestre indo para sua cabana, e Ferhélin em direção ao riacho para lavar-se e depois preparar seu jantar no refeitório do alojamento.

Aquele havia sido outro dia muito especial.

UNIVERSOS ENVOLVENTES E A ETERNIDADE

Na manhã seguinte, o grupo de alemães havia partido, e Ferhélin, após tomar o café da manhã, encontrou-se com o Senhor da Geleira. 

Eles se cumprimentaram, e ela mencionou que havia pensado em suas palavras e que gostaria de ouvir um pouco mais.

Ele estava saindo para caminhar e convidou-a para ir junto.

Logo, estavam caminhando por uma trilha nova para Ferhélin. 

— Cada pessoa possui um conjunto de recursos preciosos — disse o Senhor da Geleira, caminhando com Ferhélin, em meio a uma floresta de pinheiros. — O detalhe é que muitos não os percebeme os buscam fora.

Alguns percebem grandes talentos dentro de si mesmos, mas acabam desacreditando nisto e acabam desorientados, buscando por algo que não conseguem identificar.

Ferhélin observava a natureza, enquanto o escutava. 

— É como se as pessoas estivessem embrulhadas em caixas de presente, com papel brilhante colorido e laços enfeitados. Até aí, tudo bem, o problema surge quando elas se esquecem de que estão lá dentro.

Começar a cuidar do invólucro e se aperfeiçoar, para deixar as caixas mais atraentes, torna-se a finalidade do viver para muitos.

Retirar as camadas que estão na superfície é um exercício necessário para quem quer transcender o nível de “ser” verdadeiramente. Quando isto acontece, em um relance ou a cada momento, tocar o eterno se torna possível.

Tirar os revestimentos que cobrem e escondem os dons próprios do ser é um requisito básico para esta transcendência e só é possível se a pessoa assim escolher.

O fato é que manifestar o eterno, a cada momento, é um presente divino que aguarda para ser aberto.

Enquanto caminhavam, Ferhélin pediu ao Senhor da Geleira que falasse mais um pouco sobre como ele via a combinação dos universos que envolvem uma ação.

— Quando há a interação dos vários níveis, desde o físico até o divino, passando pelo espiritual, a experiência da simplicidade é visível. O amor transborda e flui por tudo e todos que o rodeiam. O sentimento de respeito e de confiança desabrocham naturalmente. Há felicidade plena e modéstia nos sentimentos. Isto tudo, está expresso apenas e completamente em “ser”.

Quando há esta experiência, o ar, a brisa, os aromas, as cores, tudo parece compor algo maior. Há o sentimento de integrar algo mais amplo e de harmonizar-se com ele.

Nestes momentos, não são as teorias, doutrinas ou palavras que promovem a experiência. É a magia daquele momento que vai além dos fragmentos do tempo e pode acessar um outro universo que nos torna eternos.

O SILÊNCIO

Momentos de silêncio seguiram-se, até que Ferhélin voltou a falar:

— Algo que me fascina é o poder da palavra. Como você vê isto?

— Penso que a palavra é sagrada e tem o poder de congregar as energias relacionadas ao seu significado.

 Enquanto o Senhor da Geleira falava, Ferhélin relacionava o que ele dizia à visão quântica. Havia o poder quântico da palavra — a possibilidade de colapsar14 todas as energias relacionadas à palavra é que lhe daria poder.

— O ser humano tem feito mau uso deste poder,  e seu modo de se relacionar com as palavras tem pulverizado o poder.

Os políticos, a mídia e as pessoas, em geral, têm tratado a palavra de modo a tirar seu encanto e magia. A manifestação do “verbo”, como sabedoria eterna, tem se perdido ao longo dos tempos.

O que acontece é que as pessoas cortam o acesso aos universos que a palavra possibilita. O mau uso, a distorção no seu emprego e o distanciamento de seu significado, através de repetições constantes, está aniquilando o poder básico da palavra.

Quanto poder há em uma poesia! Quanto poder há em uma oração! Quanta vida e expressão estão ali presentes!  

O fato é que menos e menos pessoas estão acessando o poder da palavra — afirmou o Senhor da Geleira.

Após longos minutos de silêncio, ele continuou:

— A mágica do silêncio interior é que ele possui uma marca: a da eternidade.

O silêncio é eloquente, à sua maneira, e tem vida mais longa que podemos imaginar. As experiências de profunda harmonia interior ficam gravadas para sempre.

A força da paz interior é tamanha que permite o acesso ao eterno, mesmo que não conscientemente. Um segundo de paz profunda tem efeito além do que podemos imaginar no tempo humano ou tridimensional.

Uma experiência de um segundo, em qualquer época, carrega um poder que é capaz de resgatar-nos de possíveis quedas no futuro. Você pode nem mesmo se lembrar de uma experiência, mas o poder que ela imprimiu em sua alma estará trabalhando quando você precisar.

A experiência do silêncio interior é de preenchimento total, ao contrário do que muitos pensam. Você pode não pensar e não ser dirigida por palavras-chave, mas a experiência será de completa integração e harmonia, em uma dimensão além do tempo-espaço.

EDUCAÇÃO

Após algum tempo em silêncio, virando-se para o Senhor da Geleira, enquanto caminhavam, Ferhélin comentou:

— Quase toda a educação está fundamentada na palavra.

O Senhor da Geleira ficou pensativo por instantes e afirmou:

— Educar é outro aspecto fascinante na vida, porque aborda algo por demais respeitável: o conhecimento.

Penso que a educação pode ser entendida como o tratamento do sagrado. Estamos no mundo da ação, mas o próprio entendimento e o poder de acessar os universos relacionados à ação, deixam muito a desejar.

Educação acaba se confundindo com educar a ação, e muito se perde com este entendimento. Não pela interpretação apenas, mas também pela perda do significado da ação em si.

Neste mundo tridimensional tudo se resume em ação. Pensar também é ação, assim como sentir, meditar, perceber e intuir.

Educar tem que ter a ver com a integração de todos os universos que envolvem a ação, que não devem permanecer separados e independentes, reduzidos a pequenos fragmentos, distintos uns dos outros.  

Servir e levar benefícios aos outros, a si e ao planeta são frutos da integração destes universos.

Então ele perguntou e logo respondeu:

— O que o homem fez?

Restringiu “todos os universos” a um nível básico, materializável, visível, audível e palatável.

Este desvio de percurso levou a educação ao nível defasado em que se encontra.

O que se vê é fragmentação e perda de percepção do todo. “Departamentalização” do conhecimento e perda de conexão entre os setores que formam o todo.

Complexidades receberam valorização crescente e a simplicidade foi desvalorizada. Surgiu medo do simples, até mesmo da palavra simples. Por que será?

Dentro deste universo caracterizado pela perda de contexto, o foco do saber se perdeu.

Dentro de um entendimento linear, o que aconteceu?

Tudo começou com pequenas distorções de visão, de propósito e de valores e chegamos a este estágio de corporativismos, visões distorcidas, vocações burocratizadas e valorização excessiva de ferramentas de controle.

Sinto que há ausência de lideranças no mundo.

Parece que exércitos de dedicados ao ‘inútil‘ estão presentes, espalhados pelo mundo e pelas instituições, brincando de ‘trabalhar’ e de manter as ilusões que demandam imensa energia e recursos para serem materializadas. Há comandantes e subalternos, mas não há líderes.

Como o senhor encara esta realidade? — perguntou Ferhélin.

O Senhor da Geleira respondeu:

— Fazendo uma analogia, diria que se uma casa estivesse pegando fogo, os que comandam, muito possivelmente, estariam preocupados em focar a atenção na organização da geladeira, tentando ver o melhor local para colocar as frutas, ou o leite. Ou criticar alguém que tirou os legumes do local previsto e coisas assim.

Colocariam toda sua atenção em alguma coisa concreta, mas sem sentido algum naquele momento.

Sinto as lideranças de hoje tomando atitudes sem percepção ou intuição. Um líder natural é aquele que desenvolve a capacidade de perceber e integrar os multi-versos presentes. Ele não apenas os percebe, como abre os canais para a perfeita interação entre eles.

Um líder genuíno percebe os talentos, as aptidões e qualidades das pessoas com quem está contato, assim como percebe os níveis de influência que os ambientes manifestam.

Ele atua na potencialização dos dons pessoais e na harmonização dos fatores de influência, e este processo elimina as influências negativas de maneira natural.

Integrando Multiversos

Este homem há tanto tempo vivendo nas montanhas e, ainda assim, tendo tal percepção do que acontecia no mundo! Isso era um paradoxo para Ferhélin.

Eles caminhavam por entre as árvores, ao lado de um riacho de águas claras e cristalinas. 

O Senhor da Geleira parecia ter uma visão muito clara de tudo que acontecia no mundo e comentou:

— Os universos que nos cercam vão além de nossa percepção. A espiritualidade é a essência que permeia estes universos, mesmo que não os percebamos.

É possível a um comandante atuar sem vínculos com valores, princípios e propósitos elevados; entretanto, para um líder, estes são elementos essenciais e sua expressão é a manifestação da espiritualidade. 

Ferhélin voltou a refletir através das lentes da Física Quântica:

— Interessante. Seria a convergência das diversas energias que constituem estes multiversos que formam o nosso Universo? Seria o colapsar das várias interações exteriores, físicas e não-físicas, o que chamamos de nosso Universo?

— Você percebe que a essência básica da vida é a espiritualidade?

A manifestação do nível de espiritualidade varia de acordo com os valores e propósitos com que as pessoas tomam atitudes. Não tem nada a ver com religião.

As religiões são instrumentos que valorizam a prática da espiritualidade como meio de ascensão. Mas não é o único meio.

Você já percebe como a espiritualidade é esquecida pela educação no nosso mundo? — perguntou o Senhor da Geleira, acrescentando: e aí não me refiro apenas a instituições, mas também às famílias.

Ferhélin concordou, balançando a cabeça.

— O ser humano é um ser espiritual. O espiritual transcende o humano. Não é apenas um complemento, é a essência. Negar isto significa negar a si próprio. Isto não envolve questões de crença, mas questões de “ser”— disse o Senhor da Geleira.

— Como chegar a isso?— questionou Ferhélin.

— Percebendo que os limites foram criados e impostos por nós mesmos e acreditando na verdade.

Não por entendê-la ou por dominá-la e não por benefício próprio, mas aceitando a verdade pelo amor à verdade, independente de aonde ela pode nos levar.

Para tanto, devemos retirar a venda que cobre nossa visão e abrir nossos olhos. Não ter medo do conhecimento e descobrir que é possível “ver” muito além, quando não mais temos a venda que limitava nossa visão.

— Algo que não percebo claramente é a verdade. O que é a verdade? — indagou Ferhélin.

O Senhor da Geleira olhou-a calmamente e vendo o olhar sincero daquela mulher, repondeu:

— A verdade é! Apenas é!

Para acessá-la, só há um meio: ser!

Quando você consegue ser, você experimenta a verdade. Você alcança a energia da verdade, de acordo com o nível manifestado por você. A essência da espiritualidade é a sua manifestação, que a conduz no seu caminho.

Ferhélin pensou um pouco sobre o que ele havia falado e comentou:

— A verdade é percebida conforme o caminho é percorrido. O importante é que cada um deve buscar seu caminho. Escolhê-lo e percorrê-lo sem medos, sem comparações ou dúvidas, com coragem e amor. É isso, não é?

— O seu caminho a levará a você mesma. Na extensão em que atingir a essência vital de sua identidade, você perceberá a verdade, perceberá Deus e a infinita ligação que existe entre o seu “eu” interior e tudo mais que existe. Entenderá que você faz parte deste todo.

Ferhélin lembrou-se da meditação com o Mestre Yogue e viu-se novamente naquele universo de luz, sentindo Deus como um sol espiritual espalhando sua luz e envolvendo-a em toda aquela dimensão luminosa.

Ela sentiu-se luz, percebeu-se espalhando luz e sentiu-se banhada por ela. ‘Você faz parte do todo’, percebeu-se dizendo a si mesma.

— A sua luz faz o todo brilhar, de uma maneira mais significativa do que você possa imaginar.

Você nunca deve se preocupar com o tempo que sua caminhada levar. Apenas percorra seu caminho com amor e respeite os caminhos dos outros emantenha a compaixão no seu coração — disse o Senhor da Geleira.

DESPEDINDO-SE DAQUELA FIGURA CARISMÁTICA

O luar surgia no céu, que mudava de cor e algumas estrelas começavam a aparecer.

— Amanhã vou seguir viagem. Tudo que compartilhou comigo foi muito precioso — disse ela, observando aquela figura carismática das Montanhas Rochosas.

— Você falou muito profundamente sobre várias coisas, mas há algo que eu gostaria de perguntar. O que você está vivenciando e buscando nesta fase de sua vida?

O Senhor da Geleira respirou um pouco mais longamente e sorriu: 

— Minha vida é simples, você pôde perceber, não é mesmo?

Não vivo de projetos ou de desafios. Encontro-me nesta caminhada que compartilhei com você.

Nos últimos dias, “ser” para mim significou compartilhar o que intuía e vivenciava conforme o que a sua companhia e a do grupo me inspiravam.

Em momentos de vivência pessoal, procuro meditar, apreciar o silêncio e deixar as reflexões tomarem vida naturalmente. Não me empolgo quando elas acontecem, nem fico triste se elas não vêm.

Gosto também de sentir-me na companhia de Deus. Passo muito tempo apreciando Sua companhia. Quando ando pelas matas, lagos e geleiras, eu interajo com a luz que a natureza exala.

Sinto o ar, a neve, a água, a fragrância, os aromas, as cores e o céu. Procuro me colocar à disposição das pessoas que aparecem por aqui. Esta é minha vida.

Algumas pessoas aqui vêm buscando apenas recolhimento e a experiência da natureza, outras escolhem ouvir o que tenho a compartilhar.

A vida é simples, quando não a complicamos.

Estejamos onde estivermos, tudo tem seu tempo e momento. Veja, você ficou um bom tempo e, apenas nos últimos dias, houve uma aproximação entre nós.

Penso que a ansiedade é um dos piores venenos. Em gotas, vai minando os campos puros da água que compõe o nosso lago mental. Fechar a porta da ansiedade é possível, quando vivemos em harmonia. Acho que estou aprendendo esta lição com a vida.

Olhando para Ferhélin e sorrindo, ele perguntou:

— E como será a continuação de sua jornada?

Ela sorriu, balançou a cabeça, juntou as mãos e disse:

— Como? Eu não posso dizer, mas posso afirmar que continuarei meu caminho, como aprendiz!

— Acredite, creia que a vida está sempre a seu favor. Não fique ansiosa por resultados, encontros, tristeza ou felicidade.

Deixe sua vida fluir, trilhando seu caminho, descobrindo a verdade em seu coração e vendo sua vida desabrochar a cada dia — essa foi a mensagem final do Senhor da Geleira.

À noite, eles jantaram e foram dormir em seguida.

Ao amanhecer, Ferhélin, com sua mochila às costas, despediu-se, com um último olhar, da geleira, do lago azul e das montanhas.

O Senhor da Geleira observou, do alto da montanha, a Van prateada deixar o alojamento e seguir viagem.

senhor da Geleira

Livro Ferhélin, Ouvindo as Estrelas

O livro OUVINDO AS ESTRELAS descreve encontros de uma jovem cientista (Ferhélin) – personagem central do livro, durante sua jornada em terras canadenses. Grande parte do livro tem como cenário as Rochosas Canadenses, com seus cenários únicos e encantadores, nos quais a magia dos cenários funde-se com perspectivas e revelações, aprendizagens e entendimentos que proporcionam a Ferhélin experiências que a ajudam a transcender sua forma de pensar e enxergar o mundo e as pessoas, as ciências e a espiritualidade. Experiências essas que são compartilhadas no livro, o que os leitores poderão atestar no decorrer da sua leitura, conforme os encontros são relatados.

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Imagens (exceto as da capa do livro): Banco de dados Pixabay