Por Paulo Vasconcellos.
Não consigo entender porque muitas empresas, especialmente as familiares, têm tanta dificuldade para perceber a necessidade de mudanças e ter coragem para implementá-las.
O Prof. Lodi dizia que a família deve servir a empresa, e não a empresa servir a família. Na prática, o que se verifica em muitos casos é a família usufruindo dos benefícios do poder. Quando isto acontece, a empresa está rumo ao fim.
Amyr Klink, o navegador, nos diz que o maior naufrágio é não partir. Traduzindo para o ambiente corporativo, não perceber as mudanças no ambiente de negócios, ou utilizar os recursos da empresa de uma forma equivocada, pode decretar a falência da mesma.
Com freqüência, escuto que um dos objetivos da empresa ao aprimorar sua governança corporativa é a preservação do controle com a família. Em algumas circunstâncias, esta pode ser uma decisão muito prejudicial à empresa. Há algum tempo, um fundador de uma companhia aberta me disse que se para a
empresa crescer e eu tiver que perder o controle, a empresa não cresce. De fato, isto está acontecendo. O crescimento está sendo pífio e a gestão está destruindo valor.
Acabo de ler um livro que ajuda a compreender este tipo de comportamento. Chama-se Normose – A Patologia da Normalidade (Weil, Leloup e Crema – Ed. Verus). O livro não faz parte das prateleiras de administração, mas é extremamente interessante para aqueles que, como eu, lidam com os mais variados tipos de organização. A normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte.
Pierre Weil, um dos autores do livro, escreveu: O apego é a identificação com um desejo. Quando nos identificamos, seja lá com o que for – idéia, posse, pessoa, cargo, status…-, tememos perder, o que determinará estresse e toda sorte de enfermidades decorrentes. Talvez isto explique porque, muitas vezes, o acionista controlador prefere ver a empresa quebrar a vender o controle.
Durante mais de quatro anos apresentei uma série de idéias e sugestões para uma empresa familiar de capital aberto. Obviamente, um processo de mudanças exige sacrifícios e a família não estava disposta a assumir os ônus das mudanças propostas. A situação era de acomodação. Não havia preocupação com distribuição de dividendos. Em uma reunião na qual eu coloquei o assunto na mesa, pareceu que eu tinha dito um palavrão. Os salários pagos a membros da família que trabalhavam e até mesmo a alguns membros que não trabalhavam permitiam um bom padrão de vida a todos.
A situação só começou a mudar quando a empresa não teve condições de pagar os salários. Aí, sim, foi contratado um profissional para iniciar um processo de reestruturação. Se as mudanças tivessem sido implementadas cinco anos antes, as chances de sucesso seriam bem maiores, pois a situação não teria se deteriorado tanto. O problema é que o normótico não vê o óbvio e não responde a ele.
Em outro caso interessante, eu tive um diálogo com um presidente e controlador de uma empresa (de capital aberto) de Santa Catarina há cerca de cinco anos atrás. Estávamos falando sobre a perspectiva de crescimento da empresa. Ele contou-me que a estratégia era dobrar de tamanho em dez anos, o que não é uma meta agressiva. Eu externei a minha opinião de que, se esta era a estraté-
gia, o fluxo de caixa da empresa seria suficiente para fazer frente ao crescimento orgânico e não valia a pena arcar com os custos de continuar sendo uma companhia aberta.
Por outro lado, o setor apresentava várias oportunidades de aquisições e ele deveria considerar dobrar de tamanho em dois ou três anos, não em dez. Para tanto, o mercado de capitais poderia fornecer os recursos necessários para a empresa liderar um processo de consolidação no setor. Obviamente, isto implicaria uma redução da participação dele no capital da companhia. A empresa não fechou o capital nem fez nenhuma aquisição. Entre 2000 e 2005, teve um crescimento médio anual de receita de 5,5% nominais.
Estas duas empresas citadas apresentaram uma gestão normótica. Um dos grandes desafios de um bom sistema de Governança Corporativa é evitar que isto aconteça.
Autor: Paulo Vasconcellos
Sócio da ProxyCon e conselheiro de empresas
Foto: disponibilizada pelo site Pixabay